Aumenta o número de casos de derrame cerebral entre os
brasileiros mais moços. Também, com a vida que eles levam...
Liane Neves![]() |
SOS IMEDIATO Vítima de um derrame aos 24 anos, Lúcia Gonçalves recebeu atendimento rápido e não tem sequelas |
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Era uma sexta-feira e a residente de medicina Lúcia Gutheil Gonçalves, então com 24 anos de idade, estava pronta para aproveitar a noite de Porto Alegre. Havia acabado de se maquiar e, para ir embora, só precisava pegar a bolsa. No momento em que tentou fazer o gesto, no entanto, seu braço não se moveu. Lúcia pensou em sentar-se para relaxar. Dessa vez, foi a perna direita que não obedeceu ao comando. Ela caiu. Deitada no chão e com a parte direita do corpo paralisada, alcançou o celular e ligou para a mãe: "Meu corpo não se move". Não conseguiu emitir nem mais uma palavra – a essa altura, sua voz já soava empastada. Sua mãe, médica, entendeu o que estava acontecendo e agiu rapidamente: em apenas meia hora, a residente recebeu o diagnóstico de derrame cerebral em um pronto-socorro hospitalar.
A cada ano, no Brasil, cerca de 20 000 jovens como Lúcia são acometidos por derrame cerebral, doença que se caracteriza pela interrupção do fluxo sanguíneo no cérebro. O número, por si só, surpreende, já que a doença é comumente associada aos mais velhos. Outro dado espantoso: em grande parte das vezes, o derrame entre jovens decorre de um segundo mal também relacionado ao processo natural de envelhecimento, a aterosclerose – a deterioração e o estreitamento da parede das artérias causados pelo acúmulo de placas de gordura e de cálcio. Um estudo conduzido no Rio Grande do Sul com 682 homens e mulheres vítimas de derrame mostrou que 20% dos participantes com até 45 anos apresentavam esse distúrbio. Nos anos 80, apenas 10% dos casos de derrame entre pacientes da mesma faixa etária eram decorrentes de aterosclerose. "Trata-se de um quadro extremamente preocupante", diz o neurologista Maurício Friedrich, do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, um dos coordenadores da pesquisa.

O derrame é a doença que mais mata no Brasil – a cada ano, 100 000 brasileiros morrem vítimas da doença. Além da aterosclerose, problemas congênitos e arritmias cardíacas estão entre as suas principais causas. Dos que sobrevivem a ele, cinco em cada dez ficam com sequelas permanentes. A gravidade da doença depende tanto do local atingido quanto do número de vasos que foram comprometidos pela falta de irrigação sanguínea. O tratamento é, na maioria das vezes, feito com trombolíticos – medicamentos que facilitam a circulação sanguínea. Em metade dos casos, as sequelas da doença podem ser completamente revertidas. Para isso, é fundamental que o paciente receba socorro rapidamente. No caso de derrames leves, pacientes atendidos em até quatro horas têm 50% de possibilidade de ter as lesões totalmente revertidas. Já as vítimas atendidas em até uma hora têm mais de 90% de chance de sair ilesas – graças à presteza da mãe, foi esse o caso de Lúcia, a residente gaúcha.

Proteção vinda do coração
A agência reguladora de remédios da Europa aprovou recentemente a primeira prótese que evita a formação de coágulos no coração. Para o músculo cardíaco em si, a novidade não tem o menor impacto. É para o cérebro que ela fará diferença. Cerca de 30% dos casos de derrame cerebral são causados por coágulos que se formam no coração, sobretudo em pacientes com mais de 50 anos. Os coágulos surgem durante a fibrilação atrial, um tipo de arritmia que diminui a circulação sanguínea dentro do órgão, favorecendo, assim, a formação desses trombos (para usar uma comparação didática, bolotas de sangue). Levados ao cérebro, eles podem obstruir vasos. Quase 90% dos coágulos cardíacos se formam na auriculeta, uma saliência de 2 centímetros localizada na superfície do átrio esquerdo – a cavidade do coração que recebe o sangue oxigenado dos pulmões. A auriculeta é uma extensão do átrio, que, ao agir como se fosse uma sanfona, tem a função de ampliar os movimentos de contração do órgão em situações de muito stress. "Quando o homem precisava fugir de predadores, ela foi de imensa utilidade", exemplifica José Carlos Pachón, responsável pelo serviço de arritmias do Hospital do Coração. "Hoje, ela é útil principalmente para atletas que participam de provas de explosão, como os velocistas." Pois o que a nova prótese faz é simplesmente fechar a auriculeta. Batizada de Watchman, ela é feita de níquel e titânio e mede 3 centímetros. O procedimento para implantá-la é semelhante ao do stent. O dispositivo entra no organismo por meio de um cateter. Ao chegar à auriculeta, é aberto como um guarda-chuva, bloqueando a entrada de sangue no local e, como consequência, impedindo a formação de coágulos. Até hoje, a única forma de tratar coágulos no coração era o uso de anticoagulantes. "Esses medicamentos, porém, além de exigir monitoramento semanal, oferecem risco de hemorragias", diz Eduardo Saad, chefe do setor de arritmias do Hospital Pró-Cardíaco do Rio de Janeiro. A nova prótese – em fase final de análise no FDA, a agência de saúde americana – deve chegar ao Brasil até o fim do ano que vem. |
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